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Mostrando postagens de janeiro, 2012

O caminhão e a rádio

Vivi outras histórias marcantes e inesquecíveis em minha cidade natal (além das postadas anteriormente). Na rua do terrão, na Rádio Brasil, no 1º Grupo Escolar, no balcão do trabalho do meu pai, no terreno do circo, nos dois cinemas, na maior loja de discos da época, na prefeitura, na Câmara de vereadores, na estação ferroviária, no Ateneu Bento da Silva, no Instituto Educacional, no Ginásio Estadual Helen Keller, no campo de aviação... Da rua do terrão eu me lembro bem de uma história envolvendo um caminhão. Ele ficou sem freios e desceu do centro da cidade em direção ao bairro. O motorista, o valente Tonhão, bem que poderia ter pulado e deixado o bruto ir só, ladeira abaixo, pela Alameda Armando de Salles Oliveira. Mas, sabendo do risco de atropelamento de algum inocente desavisado ou da invasão de uma casa humilde, Tonhão se manteve firme ao volante. Colocou a cabeça pra fora da boléia e gritou a plenos pulmões para que abrissem ala pra ele e o caminhão pa

De volta a Adamantina

Logo após a Copa do Mundo de 1958, meu pai decidiu que voltaríamos para Adamantina, onde eu nasci. Fomos morar numa das casas que ele possuía e alugava. Uma casa que até fogão de lenha tinha. Era ao lado da casa onde viviam o quitandeiro, a beata e o viadinho, ou melhor, o futuro padre, na Rua General Isidoro, quase esquina da Alameda Armando de Salles Oliveira. De lá, em poucos meses mudamos para a casa da rua de terra, o terrão, em frente ao terreno baldio que virou sede do INPS. Foi no quintal daquela casa que eu tentei matar um passarinho, um pobre passarinho, cai do cavalete e espetei o braço esquerdo na cerca de balaústre. Fiquei mais assustado do que nunca quando vi o braço aberto e os músculos à mostra. Levantei, tentei colocar tudo no lugar e corri pra casa. Gritei minha mãe. Meu pai chamou a charrete do ‘seu’ Lelé e lá fomos nóis, eu e minha mãe, rumo à Santa Casa. Na mesa de cirurgia, uma das poucas do lugar, o dr. Amaral, que não e

Honestidade, também

Além do gosto pelo trabalho, meu pai me deixou outro exemplo importante: a honestidade. Meu pai era tão honesto, mas tão honesto, que sempre se recusou a ficar com o que não era dele. Devolvia centavo por centavo ao caixa de banco que desse a ele dinheiro a mais, fosse no troco de uma conta paga ou numa retirada. A demonstração de honestidade de meu pai que mais me marcou aconteceu em 1969, depois que eu já não estava mais em casa, em Adamantina, mas em Marília, trabalhando no Jornal do Comércio. Um dia, passando o fim de semana com a família, em Adamantina, meu pai me chamou num canto e me contou que estava passando roupa nova para uma fábrica de calças da cidade. A cada dois dias o homem chamava meu pai na fábrica e dizia: “Lazinho, leve estas 100 calças para passar e me traga de volta no menor tempo possível”. Meu pai colocava todas as calças numa Kombi velha que ele tinha e levava para a tinturaria, na Rua Joaquim Nabuco. E lá meu pai passava uma por

Amor ao trabalho

Meu pai era sovina – ou pão duro, como prefere minha irmã caçula – mas um homem bom. Bom e trabalhador. Honesto como só ele. Foi com ele que eu aprendi o gosto pelo trabalho. Ao lado do meu pai eu tive a certeza de que “o trabalho enobrece o homem”. Com meu pai eu tive a certeza de que é preciso trabalhar duro, muito, pra vencer na vida. Baixinho, magrinho, lépido e faceiro, meu pai era o primeiro da família a acordar, a levantar e a começar a trabalhar. Trabalhava duro pela manhã, à tarde e à noite. Ninguém era mais rápido do que ele. Com ele a preguiça não tinha vez. Ninguém procurava mais a perfeição do que ele. Vi meu pai de cama, doente, uma única vez. Foi em Adamantina e creio que eu fui o culpado. Eu trabalhava com ele, ainda, mas há tempos dizia que não queria ser tintureiro como ele para o resto da vida. Queria estudar, crescer e vencer na vida. Foi por isso que pedi emprego ao meu Amigo Ademar Shigueto Hayashi,

O sovina do meu pai

Minha irmã Clélia não gosta que eu fale assim do nosso pai. Mas, a verdade, verdadeiramente, é que ele era tão mão fechada, tão pão duro, mas tão pão duro, que, respeitosamente, eu não tenho dúvida em afirmar que meu para era sovina. Posso contar pelo menos dois casos marcantes – para mim, pelo menos – que provam que meu pai levava “ratoeiras nos bolsos”. Um é relacionado ao fato de só ele – minha mãe, jamais – ir à feira comprar frutas, legumes e verduras. Pois bem: ele ia sempre no finzinho da feira. Na xepa, como se diz. Exatamente na hora em que os feirantes tentam vender tudo o que sobrou e assim não ter que voltar pra casa com mercadoria. Era nessa hora que meu pai comprava bananas, por exemplo. E ele sempre chegava em casa com bananas amadurecidas, porque era o que restava no fim da feira. Era o que custava mais barato. Às vezes, um terço do preço cobrado ao longo da maioria do período. E assim era também com os outros produtos.

A TV do vizinho

Na minha infância não tinha TV em casa. E, claro, eu sentia falta. Afinal, havia TV em casas de alguns poucos amigos e conhecidos. Nem por isso eu me lamentava. Sentia falta, mas não ficava a resmungar pelos cantos. Eu sabia que meu pai lutava com dificuldades para dar o mínimo indispensável pra família. Eram ele, minha mãe e quatro filhos: Cleide, eu, Clówis e Clélia, pela ordem de nascimento. A situação da família era tão difícil que meu pai ia, pessoalmente, à feira. Ele ia; minha mãe, não. Ele dizia que minha mãe não sabia escolher os melhores legumes, frutas e verduras. “Os melhores ou mais baratos?”, retrucava minha mãe. Os mais baratos, tenho certeza. Mas não era por isso que não havia TV em casa. Era porque a família não tinha dinheiro para comprar um aparelho. E também porque naquele tempo, meados dos anos 1950, não existiam tantas facilidades e crediário como hoje, desde que surgiram as Casas Bahia. Pois bem: e co

O versátil tio Walter

Se tivesse vivido nos tempos da Internet, do CD, do DVD, da TV a cabo e outras modernidades, tio Walter seria chamado de “homem multimídia”. Como não viveu tanto, o marido da tia Dulce e pai dos meus primos Celso, Vera e Denise, ficou conhecido, mesmo, foi como algo parecido com “homem dos mil instrumentos”. Tio Walter era irmão da minha saudosa mãe, Dona Wanda, da minha querida tia Terezinha e do meu tio João José, que hoje vive em Santos, no Litoral paulista. Funcionário do Hospital das Clinicas por mais de 30 anos, tio Walter ficou conhecido no trabalho dele como um profissional dedicado. Mais que isso, ele era criativo e habilidoso. No HC, fazia próteses para braços e pernas antes que elas começassem a ser produzidas em escala industrial no Brasil. No Sacomã, onde morávamos, tio Walter era “o rei da latinha”. Ele transformava todo tipo de latinha em utilidade doméstica. Latinhas e latões, também. Latinhas de massa de tomate, de ervilha, de mil

A favela em chamas

Muitos anos depois daqueles meus tempos de menino pequeno lá em Heliópolis, de volta a São Paulo, casado e com filhos, descobri que os campos de futebol de várzea que eu conheci na infância não existiam mais. Fiquei desolado. Pior ainda foi que soube do fim do futebol de várzea dos tempos da minha infância por causa de uma tragédia. Ao vivo, pela televisão, dei de cara com um incêndio. Era cedinho, o dia mal tinha começado e aquele fogo na minha cara. Fogo e fumaça. Gente correndo pra todo lado. Bombeiros tentavam conter as chamas e policiais militares faziam de tudo pra conter os moradores do local. Do alto de um prédio de cinco ou seis andares, abandonado, invadido, homens, mulheres e crianças pediam socorro. Helicópteros da Polícia Militar e das TVs sobrevoavam a área. Mais tarde os repórteres informaram que tudo começou porque uma mulher havia colocado fogo no barraco em que morava com o marido e cinco filhos. O motivo? O de sempre

O trabalho, aos 6 anos

Comecei a trabalhar aos seis anos de idade, em 1955, no bairro do Sacomã, em São Paulo. Foi numa sapataria que ficava na mesma rua da minha casa, uma travessa da Avenida Alencar Araripe. Na rua e na casa em que eu vi o Brasil ser campeão mundial de futebol pela primeira vez. Foi na Suécia, com Gilmar dos Santos Neves no gol e Pelé no ataque. Eu ia à escola, no Moinho Velho, pela manhã. Voltava, almoçava e corria para a sapataria do ‘seu’ Nenê, a 100 metros de casa. Eu gostava de trabalhar lá. Gostava porque o patrão me ensinou tudo. Até fazer solado a ponto ele me ensinou. E olha que solado a ponto era coisa de oficial, como ele chamava os sapateiros experientes, com 30, 40 anos de idade. Eu? Eu tinha seis anos. Gostava, também, porque aos sábados, o dia de maior movimento na sapataria, todo freguês me dava gorjeta. No fim do expediente, lá pelas 8 horas da noite, o patrão me pagava com uma nota grande, vermelha, de vintão, e eu

Adeus, Adamantina

Quando eu tinha de 4 para 5 anos de idade, meu pai resolveu que mudaríamos de Adamantina. Ele decidiu. Em casa era assim: ele decidia e pronto. Não tinha conversa, nem isso, nem aquilo. Mas, verdade seja dita, ele tinha razão. A razão era a paralisia infantil do meu irmão, Clówis, o único irmão que eu tenho (ou melhor, tinha, porque eu faleceu em acidente de automóvel em 17/1/2008, em Uberaba/MG). Em Adamantina, no início dos anos 1950, não tinha como curar meu irmão. Até porque a vacina contra a paralisia infantil só começou a ser pesquisada em 1952. Albert Bruce Sabin, o Dr. Sabin (1906/1993), que eu viria a conhecer, pessoalmente, e a entrevistar, em 1990, em São Paulo, só conseguiu lançar a Vacina Sabin em 1962. Naquele ano meu irmão já estava curado. Ele andava normalmente e jogava futebol como poucos. Mas, então: como não tinha cura para a doença dele em Adamantina, fomos todos para Marília. Lembro-me pouco daquela primeira pass

O futebol e o Jornalismo em Campo Grande e em Franca

Voltei a fazer futebol como jornalista em Campo Grande e em Franca, de 2004 a 2006. Em Campo Grande (onde fui Diretor de Redação do jornal O Estado de MS, o segundo maior do Mato Grosso do Sul, na época), porque tínhamos uma hora de vantagem sobre o sudeste e o sul: São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo. Assim sendo, os jogos do Brasileirão de 2004 terminavam pouco antes das 22 horas para nóis, na capital sul-mato-grossense. E, como O Estado de MS tinha que ser fechado às 10 da noite, no máximo, era possível dar um registro razoável no alto da primeira página, incluindo uma foto colorida. E era eu quem fazia isso: escrevia o texto e escolhia a foto. Inclusive por ocasião da morte do jogador Sérginho, do São Caetano do Sul, o Azulão, no Estádio do Morumbi, em São Paulo, quando, em cima da hora, tomei a decisão de mudar tudo e dar destaque para aquele caso. Individualmente, a morte de Serginho, foi o fato mais marcante de minha pa

O futebol e o Jornalismo

Gostando de futebol como eu sempre gostei era inevitável unir esse esporte e o Jornalismo. Foi por conta disso que atuei como comentarista nas rádios Brasil de Adamantina, Verinha e Clube de Marília. Nos tempos de Brasil de Adamantina, lá pelos idos de 1968, eu conheci aquele que viria a ser um dos maiores narradores de futebol do Brasil: Osmar Aparecido dos Santos. Nos encontrávamos sempre que o Guarani de Adamantina tinha jogo com o time de Osvaldo Cruz, onde Osmar Santos nasceu. Nos reencontramos em Marília, em 1969, quando ele já havia sido levado para a Verinha pelo saudoso Marcelino Medeiros, ex-Rádio Bandeirantes de São Paulo. A Verinha tinha dois narradores: Osmar Santos e Osvaldo Maciel, nascido e formado em Tupã. E dois comentaristas: Waldir Silveira Mello e eu. Osmar e Waldir acompanhavam os jogos do São Bento. Maciel e eu, as partidas do Garça. Quando São Bento e Garça se enfrentavam, as duas duplas disputavam o mesmo microfone. Em Campina

O futebol e a raspadinha

Foi exatamente na época da Copa do Mundo de 1958 que eu comecei a tomar gosto pelo futebol profissional. O futebol amador, as peladas de rua, eu curtia desde muito pequeno. Meu pai dizia que eu vibrava com o esporte trazido ao Brasil por Charles Miller desde 1954, ano em que o Corinthians foi “Campeão dos Campeões”. Mas, sinceramente, eu não me lembro de nada referente a aquele ano, quando, imagino, comecei a torcer pelo Timão. Eu e meus amigos íamos todo domingo aos campos da várzea, em Heliópolis, logo depois da Estrada das Lágrimas. Muitos meninos da minha idade tinham pais e tios que jogavam por times das vizinhanças. Cada time se reunia na casa de um deles e eu achava estranho cada jogador ter de pagar uma taxa para pegar a camisa. Um dia alguém me explicou que o dinheiro era para a mulher que lavava o uniforme. Fiquei na dúvida. Era muito dinheiro. A lavadeira ficaria rica com tudo aquilo. Hoje, penso que quem ficava rico às custas d

A Copa do Mundo de Futebol de 1958

A Copa do Mundo de 1958 foi um marco na minha vida de menino pequeno em São Paulo. Ainda não havia transmissão pela televisão no Brasil (que veio somente em 1970). Só pelo rádio. E a Rádio Bandeirantes, a mais famosa da época, havia espalhado grupos de auto-falantes pelo centro da cidade. Os falantes eram sustentados por balões gigantes presos por cordas nas laterais de viadutos como o do Chá. Junto a cada um desses grupos de falantes se formava uma multidão de fanáticos torcedores para acompanhar as vitórias do Brasil. Um daqueles grupos ficou órfão dos falantes quando um vândalo resolveu cortar as cordas e o balão do Viaduto do Chá subiu pro céu. O mesmo céu que ficou coalhado de balões após a final, quando o Brasil foi campeão ao vencer a Suécia por 5 a 2. Vimos tudo graças às narrações dos vibrantes Edson Leite e Pedro Luis, os principais narradores da Bandeirantes e do Brasil. Ouvimos, vimos e vibramos pelas ruas do Sacomã, em torno da Avenid

Futebol em São Paulo (nas ruas do Sacomã)

O futebol continuou no meu sangue em São Paulo. E nos pés, nos olhos e nos ouvidos, também. Em São Paulo, onde minha família morou por quase três anos, na segunda metade dos anos 1950, lembro-me bem de jogar futebol na rua, novamente. Na rua de terra, tal qual viria a jogar anos depois, em Adamantina. Foi numa dessas peladas que eu quase pelei meu pé direito. É que havia uma tampa de lata enterrada no chão duma das ruas de terra onde nóis jogávamos. Eu não vi a tampa, até porque ela estava encoberta pela terra, chutei a bola e a lata fez o favor de arrancar pelo menos metade da sola do meu pé. Nem sei se fiz gol naquela jogada. Sei apenas que foi horrível. Horrível e doloroso. Corri pra casa, pulando num pé só. Nem deu tempo para avisar meus colegas que eu estava tirando o time de campo. Mas eles devem ter percebido pelos meus berros de dor. Em casa, minha mãe, sempre ela, lavou o meu pé e desinfetou com álcool. Como ardeu.